A língua é o primeiro momento da cultura, é o mais valioso instrumento do conhecimento e da sua transmissão, é um pilar fundamental da identidade de qualquer Nação.
A língua portuguesa, em particular, constitui-se como um imenso contributo do nosso país à humanidade: Espalhada por todos os continentes e falada por centenas de milhões de pessoas é, porventura, a mais valiosa bandeira da cultura portuguesa no Mundo.
Atentar contra a língua é atacar a cultura, a identidade e a consciência nacional de um país. No nosso caso concreto, atentar contra a língua portuguesa é insultar gerações de génios literários e artísticos, de líderes políticos e sociais e, no fundo, de todo um povo que há novecentos anos vive unido sobre um denominador linguístico comum e que se foi alterando e evoluindo naturalmente. A língua muda quando o povo a altera, em processos longos e sobejamente estudados pelos filólogos e linguístas: Qualquer nomenclatura, definição ou enquadramento académico não é mais que um meio declarativo, descritivo de uma realidade que existe e se altera, por si; Nunca será um processo constitutivo e, tornando-se num, subverte-se e fere-se, porque contrário à natureza das coisas.
O acordo ortográfico e a sua aplicação, que se vai alargando, é um dos atentados insustentáveis à língua. Chega a ser, a meu ver, o maior e mais flagrante ataque ao português e, em última análise, à cultura portuguesa.
O português é uma língua universal por si. Não é uniformizando a gramática que se afirma uma língua: O caminho será, isso sim, apostar e valorizar os autores e obras que a elevam e dignificam.
A riqueza da língua portuguesa assenta não só na unidade da sua grafia ou fonia, mas também e com especial relevância nas especificidades nacionais dos países que a tomam como oficial. Lobo Antunes, Agustina, Lídia Jorge, Pepetela, Mia Couto, Agualusa ou Veríssimo... Exemplos de quem escreve (e quem bem que escreve!) num português seu, que tem tanto de universal como de profundamente luso, brasileiro ou africano.
No fundo, o acordo vem trazer o que pretende evitar: o evitável declínio de uma língua que é berço de obras magníficas e pátria cultural de tantos que a elevaram a um patamar artístico ímpar.
Vasco Graça Moura é um dos nomes grandes da nossa literatura, figura de proa da luta contra este acordo. Diz-nos ele que lutar contra esta realidade é um acto cívico. Humildemente, para além de assinar por baixo, permito-me acrescentar que não só é um acto de civismo como chega a ser um acto de lealdade e fidelidade a uma identidade que nasce e cresce connosco. Em verdade, defender a língua é estar na linha da frente de uma batalha por algo que une mais que a nossa família, amigos ou patrícios: é dar a cara por um universo de milhões e por algo de tão preciso para a humanidade como é o que há de mais antigo na vida social.
Ainda há tempo! Portugueses, brasileiros, angolanos, cabo-verdianos, moçambicanos, timorenses... Estejamos cientes do desafio que se nos coloca e lutemos por algo que temos de tão comum e, ao mesmo tempo, tão único de todos nós e das nossas pátrias.