A classe política portuguesa de hoje foi formada, em boa parte, no associativismo académico de uma época em que os corpos estudantis, de Lisboa e Coimbra especialmente, tinham uma dimensão política significativa, num país que se transformava e se adaptava à democracia. Nos dias que correm, a larga maioria de todos nós, estudantes universitários, nascemos e sempre vivemos em democracia. A isto acrescenta-se um cada vez maior desinteresse da parte dos mais jovens na participação cívica e política, sendo que tal fenómeno tem uma natural repercussão no associativismo estudantil. Todavia, o papel das associações de estudantes não é menor que há trinta anos atrás: se por um lado muitas batalhas já foram travadas e vencidas, por outro lado há muitos desafios que se colocam às Academias, neste início de século. Neste sentido, aqueles que dirigem e os que se propõe dirigir associações de estudantes, muitas vezes com um peso histórico significativo como o que têm as associações académicas da Faculdade de Direito de Lisboa ou Coimbra, devem ter presente a dimensão da responsabilidade que acarreta liderar o movimento estudantil.
A associação académica é o que o aluno tem de mais próximo para a sua participação política no seio da Escola e da comunidade; chega a ser, muitas vezes, o meio primordial para a realização política do estudante universitário. Apenas isto é suficiente para demonstrar a essencialidade de ter, no seio dos quadros dirigentes, colegas que tenham noção da responsabilidade do exercício dos cargos que ocupam e, mais que isso, colegas que pelo seu trabalho e desempenho junto dos pares sejam exemplo de dedicação à causa académica. A avaliação de um líder estudantil assenta, assim, em três linhas fundamentais: perfil, projecto e liderança.
O perfil de um líder é algo que transcende, em muito, o objecto deste artigo, sendo mote de estudos e muita obra publicada. Na Academia, o líder tem de ser alguém, antes de mais, que se identifique, seja identificável e incorpore a identidade da Escola e dos alunos; tem de ser alguém que esteja disponível para todos os colegas a qualquer momento, estando ao seu lado em qualquer circunstância; tem de ser alguém que se assuma como modelo de comportamento e forma de estar, pautando-se por princípios de transparência e abnegação pela causa académica; tem de ser alguém com bagagem política, no sentido de conhecer a fundo a realidade da Academia e estar pronto para qualquer eventualidade; tem de ser alguém, principalmente, que pela sua própria personalidade seja visto por todos como um exemplo e (muito, muito importante) inspire confiança aos seus pares, pelo trabalho que realiza ou se propõe realizar.
O projecto é algo que um líder estudantil constrói no seu processo de afirmação. O projecto prende-se, tão só, como a visão que se tem da Academia, o conhecimento profundo dos problemas, com associação directa a propostas concretas e ambiciosas: O projecto é a estrutura de pensamento político na tripla vertente de conhecimento da instituição e desafios que se lhe colocam (numa escala de prioridades), de propostas substanciais para todas as áreas numa perspectiva ambiciosa e realizável, e de visão de futuro, assente em ideias sólidas para a afirmação da associação interna e externamente.
A liderança, por fim, é como que a união dos dois aspectos referidos, numa esfera de realidades que se afirmam como autênticos pilares de qualquer empreendimento: uma equipa, uma ambição, uma estratégia, uma organização e uma confiança. A equipa, reunião de todos aqueles que comungam o mesmo projecto e visão para a instituição, construída com base na preparação, dedicação e motivação dos seus membros, e sobre valores de lealdade entre pares, transparência nas atitudes e respeito pela causa que se propõe defender. A ambição, no sentido de união do corpo estudantil em torno de objectivos de relevo. A estratégia, enquanto linhas de acção para a prossecução dos objectivos propostos. A organização, como estrutura de conjugação eficaz entre as várias áreas da associação e os próprios membros da equipa. Por fim, a confiança dos estudantes, como base fundamental de toda esta construção: A legitimidade de qualquer dirigente e, em especial, de um líder, reside na vontade e no superior interesse dos alunos e daqui decorre que só com a segurança da confiança filial dos pares, alguém consegue alcançar grandes feitos.
Liderar uma massa estudantil, um corpo significativo de pessoas que se preparam para uma vida inteira e que criam, neste momento da sua vida, as bases do seu futuro, é uma responsabilidade cujo peso só pode ser suportado por quem reúna a capacidade de liderança que emana da reunião dos aspectos apresentados em cima. Por isso, releva o papel das eleições, do voto dos nossos pares, enquanto manifestação da confiança dos estudantes num projecto e numa liderança. Neste sentido, importa salientar que aqui, como na vida, há que respeitar pressupostos éticos: de respeito pelos adversários, de verdade e substância nos argumentos, de transparência nas atitudes, de exposição clara e leal de propostas. Tenho o gigantesco privilégio de viver uma experiência incomparável no meu percurso de vida, na Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa e, quando se parte para eleições numa organização com os quase cem anos da AAFDL, sente-se a dimensão da história, da estrutura e das próprias pessoas que fazem da Faculdade de Direito aquilo que é. Afirmo a minha profunda convicção de que no berço de tantos líderes do país, consigamos todos ser exemplos de liderança, porque quero acreditar que quem lidera ou se propõe liderar sente tanto ou mais que eu toda esta responsabilidade que extravasa, em muito, os mais de três mil alunos da instituição, encontrando raízes na fundação da república e na construção do Portugal político do séc. XXI.
Publicado em RGA - Expresso Online